 Figura 1. Os três Orientes, em relação ao Ocidente europeu. 
            
                        
            Confeccionado pelos autores a partir do mapchart.org
                
            
                        
            Figura 1. Os três Orientes, em relação ao Ocidente europeu. 
            
                        
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        Gabriel Abílio de Lima Oliveira (gabriel.oliveira@ifmg.edu.br)
Antônio Otávio Costa Adão (antoniootavio3485@gmail.com)
Artigo escrito no âmbito das atividades do Projeto de Pesquisa Geopolítica e história nas relações internacionais: temas e agendas contemporâneos
Com grandes reservas de petróleo e localizado no encontro entre a Europa, a Ásia e a África, o Oriente Médio tem importância econômica e geopolítica global. Tão evidente quanto sua centralidade para as relações internacionais é a compreensão limitada sobre suas dinâmicas socioeconômicas e político-culturais. Em grande parte, essas visões superficiais resultam de definições ocidentais construídas em círculos acadêmicos, militares e políticos da Europa e dos EUA. O filosofo palestino-americano Edward Said utilizou o conceito de “orientalismo” para analisar esse processo de conceituação e dominação do Oriente pelo Ocidente. A partir do trabalho de Said, é possível uma leitura mais cuidadosa sobre o Oriente Médio, com atenção às caracterizações geopolíticas, às concepções histórico-culturais infundadas e às intervenções estratégicas conduzidas pelas potências ocidentais.
Para compreender a origem do termo Oriente Médio é preciso voltar à crise do Império Otomano, que exercia domínio direto ou grande influência sobre boa parte da região aqui discutida. O Império Otomano foi a principal unidade política e civilizacional muçulmana desde o fim da Idade Média europeia, e sua queda abriu espaço para uma ofensiva econômica e militar liderada por França e Reino Unido rumo ao Oriente Médio. No contexto da crise otomana, a partir do critério da distância em relação à Europa Ocidental, dividiu-se o mundo a Oriente em três unidades: Oriente Próximo, Oriente Médio e Extremo Oriente. Cada uma dessas unidades teria suas respectivas referências geopolíticas. O Oriente Próximo estaria centralizado no Império Otomano, atual Turquia. O Oriente Médio, por sua vez, teria seu núcleo principal nos domínios persas, atual Irã. Já no Extremo Oriente, a China seria a referência fundamental (figura 1 acima).
A difusão do termo Oriente Médio ocorreu a partir de sua utilização pelo almirante estadunidense Alfred Mahan, no artigo “O Golfo Pérsico e as Relações Internacionais” (1902), no qual o autor abordava a relevância estratégica da região. Após a Primeira Guerra Mundial e a crise europeia, modificou-se a caracterização das terras englobadas pelo termo. A diferenciação entre Oriente Próximo e Oriente Médio deu lugar à noção única de Oriente Médio. Essa mudança coincidiu com a ascensão dos EUA ao posto de principal potência global. Assim, para os EUA, todo o círculo territorial limitado por Egito, Afeganistão, Península Arábica e Turquia faria parte do Oriente Médio (figura 2). Outra relevante modificação estratégica do conceito de Oriente Médio ocorreu após os ataques de 11 de setembro nos EUA. Em 2004, o governo de George W. Bush propôs a Iniciativa do Grande Oriente Médio, baseada na promoção dos valores políticos, econômicos e culturais euro-americanos desde o Noroeste da África até a Ásia Central. No plano de sua “guerra ao terror”, Bush considerava que o Grande Oriente Médio englobava o Mundo Árabe, o Magreb, o Egito, a Península Arábica, os Bálcãs, partes da Ásia Central e a Somália (figura 3).

Figura 2. O Oriente Médio.
Confeccionado pelos autores a partir do mapchart.org
 
Figura 3. O Grande Oriente Médio.
Confeccionado pelos autores a partir do mapchart.org
As distintas caracterizações de territórios herdeiros de antigas civilizações, a exemplo dos persas, tem implicações relevantes no plano dos discursos sobre a supremacia ocidental e das justificativas para intervenções militares em nome da garantia de interesses econômicos e geopolíticos. Segundo Edward Said, a cultura europeia definiu-se em contraste com um Oriente supostamente inferior e, com isso, reforçou a identidade de uma civilização supostamente superior. Já os EUA tiveram na luta contra o terror um de seus principais pretextos para legitimar intervenções na região. Tais discursos e práticas contribuem para que a opinião pública tenha dificuldade em diferenciar, por exemplo, árabes e persas. Assim, se reproduzidas sem maiores explicações, notícias sobre ataques em Israel ou na Palestina podem reforçar a falsa equivalência entre religião muçulmana e terrorismo.
Mais relevante do que negar a existência do Oriente Médio, ou reproduzir os preconceitos da visão euro-americana, é uma análise crítica sobre os interesses e identidades que o Ocidente mobiliza para caracterizar e, em certo sentido, inventar o Oriente. Ainda que os povos do Oriente tenham costumes, tradições e nacionalidades em comum, é preciso considerar as especificidades inerentes a dinâmicas políticas, geográficas, históricas e culturais tão complexas quanto podem ser as do Afeganistão e as da Turquia. Com efeito, as percepções sobre o outro ganham contornos mais tolerantes quando desenvolvidas à luz das relações entre as práticas de poder e as elaborações discursivas.
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