A maior fronteira terrestre da França é com o Brasil
Por Gabriel Abílio de Lima Oliveira (gabriel.oliveira@ifmg.edu.br)
O Brasil é o país da América com mais fronteiras nacionais; são dez. Predominantemente, tal situação deriva das Independências sul-americanas. Os limites portugueses resultaram em um país, o Brasil, enquanto dos limites espanhóis derivaram muitas nações. Quanto à Guiana Francesa, o território colonizado pela França, e a esta ainda pertencente, compartilha com o Brasil 730 km de fronteira. Com 250 mil habitantes, mais de 80 mil km2 e representação no Legislativo francês, a Guiana Francesa consolidou-se ao longo de disputas geopolíticas e econômicas entre os impérios modernos europeus e, posteriormente, entre o Brasil independente e a França.
A ocupação da Amazônia pelas monarquias da Europa ocidental data do século XVI. Em 1541, Francisco de Orellana, funcionário da Espanha, saiu dos Andes para a primeira viagem completa pelo rio Amazonas. Sob a União Ibérica, fundaram-se Belém (1616) e o Estado do Maranhão (1620). Para conter os ibéricos, os franceses fundaram, em 1634, a atual capital da Guiana Francesa, Caiena, onde o açúcar era produzido com a “cana caiana”.
Em meio a esse emaranhado de disputas europeias pela ocupação estratégica da região amazônica, o primeiro Tratado de Utrecht (1713), que iniciou negociações para o fim da Guerra de Sucessão espanhola (1701-1714), estabeleceu no rio Oiapoque a fronteira entre a Guiana Francesa e a Capitania do Cabo do Norte (Amapá). Em 1750, o Tratado de Madri, determinou que as fronteiras entre Portugal e Espanha seriam definidas por critérios naturais, rios e montanhas, e pela ocupação de fato, a ideia de que a terra pertence a quem nela está. O tratado, no entanto, não aplacou as ambições francesas pela expansão de seus domínios amazônicos.
Entre 1789 e 1815, as disputas geopolíticas e econômicas na América do Sul em processo de independência mantiveram-se relacionadas ao sistema europeu. Em 1809, após chegar ao Brasil escoltado pelos ingleses, D. João VI anulou os tratados pelos quais a França ampliou suas possessões no Amazonas e invadiu Caiena, onde manteve a guerra contra Napoleão. Da Guiana, as tropas luso-brasileiras sairiam após a derrota de Bonaparte em 1815. As tensões continuaram e, ainda na primeira metade do século XIX, a França tentou ocupar o Amapá. Em 1855, o Brasil ofereceu a divisa no rio Calçoene, a oeste do Oiapoque, proposta recusada pela França, que almejava o rio Araguari.
Em 1861, o professor Joaquim Caetano da Silva escreveu O Oiapoque e o Amazonas, estudo a favor da posição brasileira. Em 1897, já na República, Brasil e França assinaram compromisso arbitral pelo qual a fronteira seria o Oiapoque. Porém, a correta localização do rio era incerta e motivo de brigas desde a Colônia. Para contornar a crise, o barão de Rio Branco liderou a resolução do contencioso. Apoiado em vasta pesquisa, incluindo a de Caetano da Silva, e assessorado por Emilio Goeldi, estudioso da Amazônia, o barão escreveu uma Memória (1899) para o governo suíço, responsável pelo arbitramento. Oito meses depois, o futuro chanceler escreveu outra Memória em tréplica à réplica francesa. Em 1900, a decisão suíça foi amplamente favorável ao Brasil, que garantiu a área sombreada no mapa da Figura 1.
A definição da maior fronteira terrestre da França, processo que atravessou três séculos, é um dos muitos episódios que revelam a relevância geopolítica e econômica da Amazônia, região abundante em reservas de recursos naturais, incluindo minerais estratégicos. Recentemente, desavenças entre Venezuela e Guiana pela região de Essequibo resgataram o histórico de ocupação inglesa na região e reavivaram tensões latentes que podem resultar em conflitos diretos. As fronteiras nacionais são resultado de disputas, e não garantias naturais absolutas.
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