Quarta, 14 Junho 2023 13:57

Jack Responde: Extermínio de serpentes, de que lado você está?

Imagem do Jack questionando a razão do extermínio de serpentes. Imagem do Jack questionando a razão do extermínio de serpentes. Amanda Iamaguchi

Olá amigos!

Como recentemente nas dependências do IFMG - Campus Bambuí houve dois casos de encontro com serpentes, sendo que em um desses casos, o animal foi morto, a médica veterinária do campus, Clarice Silva Cesário, encaminhou um texto à Revista IFMG Com Ciência esclarecendo alguns fatos importantes sobre esses animais e como devemos nos comportar caso encontremos algum deles por aí!

Extermínio de serpentes: de que lado você está?

Por Clarice Silva Cesário (clarice.silva@ifmg.edu.br).

Tudo na vida tem dois lados: uma moeda, o campo de futebol, a opinião, uma atitude, etc. A proposta de hoje é refletirmos sobre “os lados” das seguintes questões: Por que seres humanos matam serpentes? Que riscos corremos ao nos depararmos com uma cobra? O extermínio de serpentes beneficia a espécie humana?

Acompanhe essa história. Em um intervalo de 24 horas, no mesmo lugar (o IFMG Campus Bambuí), a menos de 200 metros de distância, ocorreram incidentes com desfechos opostos envolvendo uma mesma espécie de cobra, a serpente cascavel. A primeira foi vista no alojamento estudantil. Sem nenhuma “cerimônia”, ela teve o destino de quase todas as serpentes, venenosas ou não, ao serem vistas por humanos: a morte. A segunda cruzou a pista de carros e recebeu da expectadora o benefício de finalizar seu trajeto: o respeito.

Imagem Cobra IFMG Easy

Imagem de cobra cruzando a rua principal do campus Bambuí do IFMG.
Fonte: Própria autora.

Não há como negar que as serpentes provocam nas pessoas das mais diversas culturas sentimentos ambíguos de curiosidade e repulsa, reverência e temor, fascínio e desprezo. Não é à toa que elas estão nas histórias religiosas, mitológicas, lendas, folclores, fábulas e contos populares, reforçando muitas tradições. A relação entre pessoas e serpentes, no entanto, é majoritariamente desarmônica. Como consequência disso, certos comportamentos são naturalizados, incluindo os de maus-tratos e extermínio de animais. O ato de matar cobras e outros animais tem raízes filosóficas nas concepções que incluem o humano como ser central em seu meio (Antropocentrismo), superior perante aos demais seres vivos e dotado do direito de matar, explorar e escravizar (Especismo). Existem ainda alguns mecanismos que permeiam os atos violentos, explicados pela Teoria do Elo (relação entre a violência contra animais e a violência interpessoal), reações extremas de “luta ou fuga”, alguns transtornos psiquiátricos e até mesmo o reforço da masculinidade (“Eu mato a cobra e mostro o pau!”). Esse é um longo papo que ficará para a próxima, mas serve para nos questionarmos: matar serpentes tem a ver, necessariamente, com o possível perigo que ela representa?

Não há dúvidas de que os acidentes ofídicos (os que envolvem picadas de serpentes peçonhentas) são um problema de saúde pública. Isso porque nas regiões em que eles mais ocorrem no Brasil (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e nas localidades mais comuns (zona rural), as notificações são escassas, além de se tratar de uma importante causa de morbimortalidade. Em Minas Gerais ocorrem cerca de 3.200 acidentes por ano, com poucos óbitos (letalidade de 0,29%) e predominância de casos leves. O atraso do atendimento médico, a ausência de soros antiofídicos e as condutas erradas com o acidentado antes do atendimento (torniquetes, perfuração e cortes na área, uso de produtos na ferida, etc.) contribuem para o agravo e até a morte do paciente. As jararacas (Bothrops sp.) são as mais envolvidas em acidentes no Brasil, sobretudo nos meses quentes e chuvosos. Os locais mais atingidos são pés e pernas de homens entre 20 e 50 anos. As cascavéis (Crotalus sp.) não causam tantos acidentes, imagina o motivo? Tem a ver, principalmente, com a iminência de seu bote, que é anunciado pelo chacoalhar do guizo presente na ponta de sua cauda. Apesar de ambos os casos de avistamento de cascavéis no campus, citados no começo desse texto, terem sido à noite, a maioria dos acidentes ofídicos acontece durante o dia. Isso porque neste período a atividade humana é mais intensa e boa parte das serpentes não está em atividade, mas sim, tomando sol para realizar a termorregulação. Algumas atitudes simples podem evitar os encontros indesejáveis com as serpentes: 1. Mantenha o ambiente limpo e organizado, livre de entulhos e matéria-orgânica acumulada; 2. Evite andar no escuro e tenha cuidado onde você pisa; 3. Mantenha gramas e mato aparados; 4. Verifique roupas e calçados que ficam do lado de fora da casa antes de usá-los; 5. Use vestimentas adequadas e equipamentos de proteção individual caso se expuser a situações de risco. Também vale redobrar a atenção nos períodos de grande manutenção, cortes e poda de áreas verdes, como foi o caso da semana dos avistamentos no IFMG-Bambuí, pois é natural que as serpentes se desloquem mais, em fuga daqueles estímulos que as perturbam.

Embora os acidentes ofídicos também ocorram na zona urbana, é mais comum deparar-se com animais silvestres em ambientes rurais, como é o caso do IFMG Campus Bambuí. Ocorrências como a das cascavéis vão se repetir com certeza! Então, o melhor mesmo, é se informar. Voltando à situação do alojamento, pense: Evitar o extermínio daquela cascavel implicaria, obrigatoriamente, na morte de alguém? Vejamos. Muitos acidentes ofídicos ocorrem quando o animal não é visto, outros, durante a tentativa de matar o animal peçonhento. Fica claro então que, naquela situação, em que o animal foi visto, o maior risco existia para quem a matou e no momento do extermínio (e, obviamente, para a serpente). Fica o questionamento: Havia outra alternativa que não matar o animal? A resposta é SIM. Atente-se para as providências quando você encontrar este ou outro animal silvestre em situação de risco, seja para o animal, seja para as pessoas. MANTENHA A DISTÂNCIA, afaste os animais domésticos e isole o local. Na maioria das vezes o animal visto seguirá seu percurso e deixará o ambiente, o qual também lhe causa estresse. Se o animal se acuar ou paralisar (por medo, defesa ou outra razão), causar comoção nas pessoas ou estiver em ambiente propenso a acidentes, ACIONE IMEDIATAMENTE PROFISSIONAIS CAPACITADOS para a sua remoção (seguranças, polícia, bombeiro, veterinários, biólogos, entre outros). Aquela máxima que a gente ouve desde criança, de que animais silvestres só atacam quando se sentem ameaçados, é uma verdade para a grande maioria deles, incluindo as cascavéis.

Muita gente sabe, mas não custa lembrar: utilizar, perseguir, destruir, caçar ou apanhar animais da fauna silvestre brasileira é proibido por lei (Lei de Proteção à Fauna nº 5.197, de 1967), com pena de reclusão de até 5 anos. A razão para isso é bem conhecida: serpentes tem papel ecológico fundamental para a manutenção do equilíbrio ecológico. Você imagina como seria um mundo sem serpentes? Bem caótico! Para começo de conversa, faltaria alimento para as aves (sobretudo as rapinantes) e haveria infestação de ratos e doenças provocadas por eles, como a leptospirose, hantavirose, peste, tifo e outras dezenas. Isso porque as serpentes são presas para algumas espécies e são predadoras de outras, atuando de forma essencial no que conhecemos como cadeias alimentares. Alterar o equilíbrio ecológico gera uma série de efeitos cascata que afetam inclusive a nós mesmos. Para os que curtem argumentos mais utilitaristas, seguem outras consequências do extermínio das serpentes: a superpopulação de ratos destruiria plantações e silos de armazenagem de grãos. Num país como o nosso, de base econômica agrícola, essa é uma receita para a catástrofe. Isso sem falar do entendimento e da cura de doenças, que só foram (e são) possíveis graças ao veneno de serpentes. Um dos remédios mais usados para tratar hipertensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva e infarto no miocárdio, o Captopril, é feito com o veneno da jararaca. Por fim, é importante lembrar dos critérios éticos animais e ambientais. Eles defendem o limite da liberdade humana e o valor intrínseco e inerente de todos os animais, garantindo seu direito à vida.

É impossível esgotar nesse texto todas as possibilidades de se pensar nesta atitude tão profundamente enraizada na nossa sociedade, a de matar serpentes. A tendência da maioria de nós seres humanos é tomar partido entre o bem ou o mal frente uma situação que divide opiniões, e quando envolve animais, não é diferente. Esta foi a provocação inicial. Há quem se beneficia, no entanto, quando se permite ao contraditório, entendendo uma questão sob diferentes ângulos, para quem sabe assim, aprimorar seu julgamento. Essa é uma busca incessante daqueles que estudam e praticam a educação ambiental, em prol de um pensamento complexo que abarque tanto os processos naturais quanto os socioculturais, buscando a construção de valores e práticas capazes de conectar as pessoas ao seu ambiente.

Última modificação em Quarta, 14 Junho 2023 18:42

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