Quarta, 13 Março 2024 17:35

Jack Responde: A ignorância do povo provocou a Revolta da Vacina de 1904 no Rio de Janeiro?

Jack como professor de história. Jack como professor de história. Amanda Iamaguchi

Boas-novas, caros leitores!

Tocando num tema delicado, que foi a questão da vacinação em que a pouco tempo atrás foi tão questionada, nesta semana responderemos a um leitor que gostaria de saber até que ponto a ignorância do povo poderia ter provocado a famosa Revolta da Vacina em 1904! Para nos ajudar a responder, contaremos com a ajuda do prezado professor Rodrigo Francisco Dias, que leciona História no nosso IFMG - Bambuí.

A ignorância do povo provocou a Revolta da Vacina de 1904 no Rio de Janeiro?

Por Rodrigo Francisco Dias (rodrigo.dias@ifmg.edu.br)

No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro enfrentava sérios problemas no âmbito da saúde pública, sobretudo devido às suas péssimas condições sanitárias. Muitos bairros não contavam com saneamento básico e havia muitas ruas estreitas e sujas nas quais se aglomeravam cortiços e pequenas casas de cômodos onde numerosas famílias viviam em espaços apertados. Não por acaso, muitas epidemias assolavam a então capital da República, tais como a varíola, a peste bubônica e a febre amarela.

Tratava-se de uma situação inaceitável, afinal, na condição de sede administrativa da jovem República brasileira, o Rio de Janeiro era uma espécie de cartão postal do Brasil. Ao se tornar prefeito da cidade em 1902, o engenheiro e político Francisco Pereira Passos (1836-1913) iniciou um amplo programa de reformas urbanas, com diversas obras de saneamento, alargamento de ruas, desapropriações e demolições de prédios e cortiços. O objetivo era modernizar a cidade, fazendo dela um ambiente menos insalubre.

No caso específico do combate à epidemia de varíola, o Serviço de Saúde Pública do Rio de Janeiro, sob a direção do médico Oswaldo Cruz (1872-1917), estabeleceu a vacinação obrigatória, medida essa que despertou a fúria do povo do Rio de Janeiro, o que deu início à chamada “Revolta da Vacina”, ocorrida no mês de novembro de 1904. Muitos livros didáticos que abordam o assunto costumam explicar essa Revolta com base na ideia de que o povo da época era ignorante quanto aos benefícios da vacina. Mas será mesmo que a Revolta ocorreu por causa da ignorância da população do Rio de Janeiro?

No livro “Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”, um clássico da historiografia brasileira lançado originalmente em 1987, o historiador José Murilo de Carvalho questionou justamente essa ideia de que a Revolta teria acontecido simplesmente por causa da ignorância do povo. Com base em dados estatísticos relativos à quantidade de pessoas vacinadas durante a campanha de combate à varíola no Rio de Janeiro no início do século XX, Carvalho mostra que, no começo da campanha, um número considerável de pessoas aceitou tomar a vacina. Todavia, a partir do momento em que se estabeleceu a obrigatoriedade da vacinação, muitas pessoas começaram a rejeitar a vacina.

Segundo José Murilo de Carvalho, portanto, o problema não era a vacina em si, mesmo porque muitas pessoas sabiam dos efeitos benéficos da imunização. O que motivou a Revolta da Vacina foi o fato de os agentes do governo envolvidos na campanha de combate à varíola tratarem com truculência a população do Rio de Janeiro durante o processo de desinfecção das casas e vacinação da população. Quando os agentes do governo entravam repentinamente nas residências para vistoriar as condições sanitárias e de higiene das moradias e vacinar as pessoas, tal gesto era interpretado pela população como uma invasão do lar e uma ofensa aos moradores, especialmente às mulheres que eram obrigadas a se desnudar diante de estranhos.

O povo não se revoltou contra a vacina por simples ignorância, mas por entender que o governo não tinha o direito de tratar a população com autoritarismo e violência. A tese de José Murilo de Carvalho tem o duplo mérito de romper com o estereótipo segundo o qual o povo brasileiro seria sempre um povo ignorante e de nos instigar a pensar sobre até que ponto e de que maneiras o Estado tem o direito de intervir em nossas vidas. Publicado há quase quarenta anos, o livro “Os Bestializados” continua indispensável para compreendermos como o povo brasileiro se relaciona com o Estado no contexto da República.

Última modificação em Quarta, 20 Março 2024 17:32

COMENTÁRIOS


Importante! Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Nos reservamos o direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou com palavras ofensivas. A qualquer tempo, poderemos cancelar o sistema de comentários sem necessidade de nenhum aviso prévio aos usuários e/ou a terceiros.