Quarta, 10 Novembro 2021 18:03

Jack Responde: Curiosidades sobre raios

Ilustração do mascote Jack, calçando chinelos de borracha, observando raios em uma praia Ilustração do mascote Jack, calçando chinelos de borracha, observando raios em uma praia Amanda Iamaguchi

Olá pessoal,
Estamos em uma época muito chuvosa e os raios me intrigam. Percebi que é um assunto que também interessa aos meus leitores, pois recebi três perguntas sobre raios:
1) Se um raio cair na água (lago, por exemplo), uma pessoa dentro da água consegue sentir o choque num raio de quantos metros (ou km)?
2) Qual a probabilidade de dois raios caírem no mesmo lugar?
3) Usar chinelos de borracha realmente protege de raios em uma tempestade?
Para me auxiliar com as respostas, convidei o físico e professor do IFMG Campus Bambuí Mário Luiz Viana Alvarenga.

Curiosidades sobre raios
Por Mário Luiz Viana Alvarenga (mario.alvarenga@ifmg.edu.br)

Vamos lá, vou tentar responder às 3 perguntas de forma mais objetiva no final, mas antes precisamos entender o que é o que chamamos de "choque elétrico" e como ele pode afetar nosso organismo.

A matéria é constituída de átomos, e os átomos, de prótons, nêutrons e elétrons. Prótons e elétrons possuem cargas elétricas de sinais opostos, as quais denominamos positiva, para os prótons e negativa, para os elétrons. Por algum motivo que a ciência ainda procura entender melhor, as cargas negativas "adoram" as positivas e esse "amor" é correspondido, pois as positivas também atraem as negativas. Resumindo: cargas de sinais opostos se atraem ao mesmo tempo em que cargas de mesmo sinal se repelem. Esse simples princípio é base da explicação de todos os fenômenos elétricos e é a partir dele que vamos tentar responder as perguntas.

O que chamamos de descarga elétrica nada mais é do que o deslocamento de cargas de ponto a outro. E por que razão essas cargas se deslocam? Justamente para ficarem juntas das outras cargas de sinal oposto, podemos até dizer que se movem por amor (risos). Acontece que, para se deslocarem, as cargas precisam de um caminho propício para tal, e esse caminho é o que chamamos de material condutor. Basicamente, um material é condutor elétrico quando os elétrons que o constitui, têm liberdade de movimento, o que chamamos de elétrons livres, como é o caso da maioria dos metais. Dessa forma, podemos pensar que, assim como um carro precisa de uma rodovia para se deslocar, as cargas precisam de um meio condutor.

Agora, pense que existem estradas boas, estradas péssimas e existem trechos nos quais nem existem estradas. Assim também acontece com os condutores. Existem os bons, como o cobre ou o ouro, os ruins, como o grafite, e aqueles que nem são condutores, como o ar, por exemplo. Ao fazer uma viagem, certamente nossa opção será pela melhor estrada, quando possível. Entretanto, a estrada boa pode não estar disponível e, ainda assim, precisarmos muito fazer essa viagem. Nesse caso, teremos que encarar a estrada ruim. Agora imagine que é questão de vida ou morte fazer essa viagem e a estrada nem existe, nesse caso, a necessidade nos obriga a abrir caminho mesmo onde não tem estrada para podermos nos deslocar. Assim também acontece com as cargas elétricas, em condições normais, a carga negativa sempre vai de encontro à positiva pelo melhor condutor possível. Mas quando o acúmulo de carga é muito grande, a necessidade de descarga é enorme e o condutor não está disponível, as cargas abrem caminho transformando um material isolante em condutor. É o que acontece com um raio, por exemplo, quando o ar passa a se comportar como um condutor na falta de um melhor.

Podemos imaginar vários motivos pelos quais uma pessoa precisaria fazer uma viagem em um trecho onde não existe estrada, mas qual seria a motivação das cargas para atravessar o caminho tortuoso de um material não condutor? Bem, se lembra que as cargas de mesmo sinal se repelem? Então, quanto maior a quantidade de cargas acumuladas em um determinado objeto (e neste contexto uma nuvem seria um objeto), maior é a necessidade de essas cargas se deslocarem em busca da carga de sinal oposto. Assim quanto maior a quantidade de cargas acumuladas, o que também poderíamos chamar de potencial elétrico, maior a chance de acontecer uma ruptura elétrica, que seria transformar um isolante em condutor. Esse efeito de ruptura costuma vir acompanhado de faíscas e estrondos que nos assustam bastante.

Podemos agora entender que o raio nada mais é que o deslocamento de cargas entre as nuvens e a Terra através do ar atmosférico, mas e o choque? Infelizmente é isso mesmo que você está pensando. No choque, o caminho encontrado pelas cargas é o nosso corpo. As consequências dessa aventura das cargas através de nosso corpo podem ser as mais variadas, desde um pequeno susto até a morte, dependendo da quantidade de cargas e por onde elas passam. Quando uma criança coloca dois dedos de uma mesma mão nos buracos de uma tomada, o caminho percorrido pelas cargas vai de um dedo a outro, o que pode não ser tão grave, mas se os dedos são de mãos diferentes, esse caminho pode passar pelo coração e as consequências serem bem mais sérias. Pior ainda é pensar que o nosso sangue está cheio de cargas livres, o que faz dele um bom condutor e o efeito do choque pode ser bem pior se não tivermos a proteção da nossa pele. Já tomou choque através de um dedo machucado? É bem pior, não é verdade?

Por último, vamos entender por que os lugares mais altos oferecem mais perigo em situações de raio. Imagine a Terra como uma grande esfera de metal, o que não é uma aproximação esdrúxula, pois grande parte da constituição do nosso solo é minério. Em uma esfera condutora perfeita todas as cargas livres ocuparão as extremidades de forma a ficar o mais longe possível uma das outras (lembra que as cargas de mesmo sinal se repelem?). Agora vamos pensar um Planeta Terra mais realista, com montanhas. Concordam que no topo das montanhas é possível ficar ainda mais longe das outras cargas? Então é pra lá que as cargas querem ir pra ficarem o mais longe possível das outras. Isso faz com que os lugares altos como montanhas, prédios ou torres, acumulem mais cargas e, consequentemente, também atraiam mais cargas de sinais opostos de nuvens carregadas. Essa propriedade costuma ser chamada de "o poder das pontas" e é por isso que lugares mais altos têm maior chance de receber a descarga elétrica de um raio.

Vamos agora às perguntas:

Se um raio cair na água (lago, por exemplo), uma pessoa dentro da água consegue sentir o choque num raio de quantos metros (ou km)?

Como vimos, a intensidade do choque depende da quantidade de cargas, intensidade do raio, nesse caso, e também da constituição do material. Os principais responsáveis pela condução de cargas na água são as impurezas nelas contidas, que influenciam na quantidade de cargas livres e, assim, na sua condutividade. Água salgada, por exemplo, apresenta maior condutividade. Diante de tantas variáveis, é difícil determinar com precisão uma distância segura, mas certamente o risco é muito grande para pessoas imersas na água em pontos até cerca de 125 metros da incidência do raio. Mas é sempre bom enfatizar que essa distância varia com a intensidade do raio e a quantidade de impurezas na água.

Qual a probabilidade de dois raios caírem no mesmo lugar?

O dito popular "um raio não cai duas vezes no mesmo lugar" é um mito, não fosse, de nada adiantariam os para-raios, uma vez que são construídos justamente para que o raio caia sempre lá, de forma a proteger a região em seu entorno. Não é possível calcular com precisão a probabilidade de incidência de um raio em um ponto específico, mas sabemos que essa probabilidade pode variar de acordo com o clima local, a altitude e a composição do solo. Geralmente estima-se as chances de incidência de raios para uma região e não um ponto específico. A título de exemplo, segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a cidade de Volta Redonda - RJ registrou ao longo do ano de 2009 cerca de 22 raios por quilômetro quadrado, enquanto a cidade de Salinas - MG registrou apenas 1.

Usar chinelos de borracha realmente protege de raios em uma tempestade?

Definitivamente, não! Primeiro porque a borracha não é exatamente um isolante e, mesmo que fosse, um isolante pode se transformar em um condutor dependendo da umidade e da intensidade de carga elétrica. As melhores formas de se proteger contra raios é evitar lugares abertos, altos ou próximos de condutores durante uma tempestade.

Uau, fiquei fascinado com o assunto e não imaginava todos os fenômenos físicos envolvidos. Ficou com alguma dúvida? É só enviar sua pergunta para ifmgcomciencia.bambui@ifmg.edu.br. Até mais.

Última modificação em Quarta, 10 Novembro 2021 18:30

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