Quarta, 09 Outubro 2024 17:56

Jack Responde: Os historiadores trabalham só com fontes escritas?

Imagem do Jack numa biblioteca fazendo pesquisas em livros e questionando como os historiadores trabalham. Imagem do Jack numa biblioteca fazendo pesquisas em livros e questionando como os historiadores trabalham. Amanda Iamaguchi

Olá, caros leitores!

Vocês já imaginaram como deve ser o trabalho de um historiador, num mundo tão globalizado e repleto de informações como o que vivemos hoje? Neste Jack Responde, contaremos com a ajuda do professor de História, Rodrigo Francisco Dias, do IFMG-Bambuí para nos explicar quais tipos de documentos um historiador pode utilizar como fonte de suas pesquisas.  

Os historiadores trabalham só com fontes escritas?

Por Rodrigo Francisco Dias (rodrigo.dias@ifmg.edu.br)

Quando se fala de um historiador trabalhando, muitas pessoas logo imaginam um sujeito diante de uma mesa repleta de livros, papéis e documentos antigos. De fato, o estudo acerca do que os seres humanos fizeram ao longo do tempo exige a análise de diversos “documentos históricos”, muitos dos quais são textos escritos, tais como cartas, diários, jornais, panfletos, documentos oficiais produzidos por governos, manuscritos, ofícios e certidões.

E durante muito tempo, as fontes escritas realmente foram o principal tipo de material com o qual os historiadores trabalhavam. Todavia, já há bastante tempo, os historiadores têm trabalhado também com vários outros tipos de “fontes históricas”, tais como objetos de uso doméstico, fotografias, músicas, obras de arte, peças de vestuário, ferramentas, construções arquitetônicas e depoimentos orais.

Para o historiador, é fundamental utilizar tipos diferentes de “documentos históricos” porque isso permite que se investigue com mais detalhes diversos aspectos da História, o que torna possível uma compreensão mais ampla das dimensões políticas, culturais, econômicas e sociais da vida humana ao longo do tempo. O cinema, por exemplo, também pode ser tomado como um objeto de estudo por parte do historiador, uma vez que, como bem disse o pesquisador José D’Assunção Barros, os filmes revelam diversos aspectos de uma “sociedade historicamente localizada”, especialmente no que diz respeito aos “imaginários”, às “visões de mundo”, aos “padrões de comportamento” e às “mentalidades” presentes em uma determinada época.

Pensemos, por exemplo, no famoso filme de terror “O Exorcista” (1973, direção de William Friedkin). Baseado no romance de William Blatty, a obra narra a história de uma jovem que, por intervenção de sua mãe, recebe a visita de dois padres que tentam salvá-la de uma possessão demoníaca. Mas o que um filme como esse pode nos revelar sobre a História, em especial sobre a História dos Estados Unidos da América na segunda metade do século XX?

Uma análise da obra nos permite verificar que ela dialoga com a época em que o filme foi produzido, época durante a qual os EUA passavam por inúmeras transformações e experiências: o movimento pelos Direitos Civis, a popularização da pílula anticoncepcional que ensejou uma verdadeira “revolução sexual”, o crescimento do movimento feminista, o advento do movimento hippie e da contracultura, o escândalo de Watergate, a Guerra do Vietnã, o aumento da presença feminina no mercado de trabalho e a efervescência do movimento estudantil.

Naquele período, os estadunidenses mais jovens começavam a questionar cada vez mais os costumes e as tradições de seus pais e avós. Não por acaso, diferentes historiadores chegaram a afirmar que, na época, houve um verdadeiro “choque de gerações” nos EUA. Ora, no filme “O Exorcista”, a possessão demoníaca sofrida pela personagem nada mais é do que uma metáfora para esse “choque de gerações”. Ao ser possuída por uma força sobrenatural, a personagem Regan (interpretada por Linda Blair) se torna literalmente uma “estranha” para a sua mãe, que não consegue mais compreender o comportamento da própria filha.

Em seu lançamento, portanto, o filme ecoava o sentimento de muitos pais estadunidenses que não reconheciam mais os seus próprios filhos dentro de suas casas, sobretudo em função dos novos comportamentos adotados pelos jovens nos EUA a partir dos anos 1960. A análise de um filme como “O Exorcista” nos mostra como o trabalho com fontes não escritas, a exemplo das obras cinematográficas, pode enriquecer enormemente o campo das pesquisas históricas, em especial no que tange aos “grandes estados de alma coletivos” presentes no interior de uma sociedade em um determinado período histórico.

Última modificação em Quarta, 09 Outubro 2024 18:16

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