Jack Responde: O que é e para que serve a greve?
Olá, caros leitores!
Como é de conhecimento de todos, os servidores do nosso querido IFMG e de outros Institutos e Universidades Federais pelo Brasil estão em greve! Para nos ajudar a compreender melhor as razões dessa greve e o que ela pode significar, convidamos o nosso prezado professor de História Gabriel Abílio de Lima Oliveira a fazer uma reflexão sobre esse tema!
O que é e para que serve a greve?
Por Gabriel Abílio de Lima Oliveira (gabriel.oliveira@ifmg.edu.br)
Desde que as sociedades passaram a se organizar em hierarquias mais rígidas, o mundo do trabalho apresenta tensões e conflitos que resultam estratégias de resistência e negociação. Historicamente, surgem distintas formas de mobilização em torno de melhores condições de trabalho. Na Roma Antiga, levantes de escravizados, a exemplo da Revolta de Espártaco, resultam em novas regulações e direitos conferidos aos demandantes. A partir da Idade Contemporânea, a organização trabalhadora torna-se imprescindível para consolidar leis trabalhistas nas sociedades industriais do Ocidente euro-americano. Nessas sociedades industriais, uma das principais estratégias de mobilização da classe trabalhadora é a greve. Portanto, para uma melhor compreensão dos movimentos grevistas, faz-se necessário pensar sobre o conceito de greve e estabelecer as balizas de sua legalidade no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, cumpre refletir sobre sua legitimidade a partir das pautas defendidas pelos trabalhadores da educação que ora buscam o aprimoramento de suas carreiras e alertam para o descaso em relação a uma educação pública secularmente relegada a um segundo plano pelos mais variados governos.
Em seu Dicionário de Política, o sociólogo liberal italiano Norberto Bobbio define a greve pela “abstenção organizada do trabalho de um número mais ou menos extenso de trabalhadores”. Portanto, a greve é um fenômeno coletivo e organizado sob aspectos distintos no que se refere à mobilização trabalhadora. Em termos operacionais, há um impacto imediato na continuidade do trabalho vinculado à construção de demandas que dizem respeito ao cotidiano laboral, a exemplo de salários e condições materiais. Em termos táticos, há uma mobilização da opinião pública por parte dos setores grevistas, por vezes organizados em sindicatos, com o intuito de deflagrar processos de conscientização sobre a legitimidade das reivindicações perante a sociedade civil e o Estado. Em termos estratégicos, há uma projeção de temas e agendas que fortalecem no longo prazo e a partir de múltiplos espaços de ação, para além dos sindicatos, o protagonismo do trabalhador no âmbito socioeconômico e político-cultural de determinada sociedade.
No que se refere à legalidade da sindicalização e da greve, a Constituição Federal de 1988, em uma inflexão democrática com relação à proibição prevista na Carta autoritária de 1967, é elucidativa no art. 9º e nos incs. VI e VII do art. 37. O referido inc. VII prevê que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar”. Tal lei complementar jamais foi editada pelo Poder Legislativo. Diante da evidente morosidade do Poder Legislativo, coube à cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF), a resolução do contencioso até a edição de lei específica sobre o tema da greve no serviço público civil. Para melhor compreender o modo através do qual o STF agiu perante o direito de greve no serviço público civil é necessário refletir sobre dois estatutos jurídicos de fundamental importância para a constitucionalidade democrática fundada em 1988, a saber, o mandado de injunção e o controle de constitucionalidade.
O art. 5º, inc. LXXI, da Constituição de 1988 dispõe que o mandado de injunção ocorrerá “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Portanto, em caso de obstáculos ao exercício das garantias constitucionais cidadãs, o mandado de injunção é o caminho através do qual se deve buscar a concretização de tais garantias. Diante de mandados de injunção que apelavam pela garantia do direito constitucional de greve no serviço público civil, o STF exerceu então o controle de constitucionalidade. Esse dispositivo nada mais é do que a verificação da compatibilidade de determinada lei, ato normativo ou mesmo omissão, que é o caso da greve no serviço público, com a letra constitucional. Em decisão plenária de 2007, o STF postulou que, perante a omissão do Legislativo no sentido de regulamentar o direito de greve no serviço público civil, a solução temporária seria a aplicação da Lei 7.783/1989, que dispõe sobre a greve no setor privado. Ressalte-se que o direito de greve no serviço público deve ocorrer dentro de parâmetros específicos, pois sua natureza é diferente daquela do setor privado. É necessário que haja, por exemplo, continuidade na prestação de serviços inadiáveis.
Feitas as considerações sobre o conceito de greve e sobre a situação legal da greve no serviço público civil, é importante desenvolver o problema relativo à legitimidade da greve dos servidores da educação pública. Entre os princípios que fundamentam o ensino no Brasil, a Constituição Federal estabelece, no art. 206. inc. V a “valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público e provas de títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União”. E não poderia ser diferente, pois cabe aos profissionais do ensino o desenvolvimento de um trabalho de base na garantia de uma educação pública, gratuita e de qualidade dentro da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Entretanto, a exemplo de várias situações que envolvem garantias constitucionais, a realidade e a lei não caminham no mesmo ritmo.
Embora vários dos profissionais da educação nos níveis federal, estadual e municipal tenham excelente qualificação, são precárias as condições materiais e morais em que se desenvolve seu trabalho. As recomposições salariais, que deveriam repor as perdas inflacionárias, são defasadas. Há grande sobrecarga de trabalho, pois as atividades da educação exigem planejamento ininterrupto para adequada execução. No Institutos Federais, além das atividades de docência, os professores cumprem atividades de pesquisa, extensão e, muitas vezes, de gestão. Já os técnicos administrativos, também sobrecarregados em suas funções, enfrentam a realidade de uma carreira cada vez mais desvalorizada e ameaçada por extinção de cargos e privatizações.
Não bastassem as precárias condições da carreira e das instituições, não é raro ouvir discursos enviesados sobre o trabalho na educação pública. Para alguns, há doutrinação, pois não compreendem que a escola não é uma extensão da família e que o preparo para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho exige reflexão plural, crítica e sistemática. Para outros, a escola é apenas um lugar onde os estudantes obtêm o abrigo psicossocial que não encontram na família, de quem a educação também é responsabilidade constitucional. Para governos dos mais diferentes espectros políticos, a educação pública parece não ser uma prioridade, pois não pode haver prioridade sem investimento.
Diante desse emaranhado de pressões sociais, políticas, econômicas e culturais, muitas pessoas qualificadas abandonam o ensino, cada vez menos valorizado enquanto escolha profissional. Afinal, ninguém trabalha por amor. O trabalho deve envolver o sustento material e a dignidade moral. Se o trabalho no âmbito do ensino público parece caracterizar-se por vulnerabilidade material e desmoralização por parte dos maiores interessados em seu fortalecimento, é hora de uma reflexão séria sobre seus rumos. Para além dos salários, das carreiras e das condições de trabalho, a greve dos profissionais da educação deve ser um momento para um chamado à consciência sobre os desafios que se impõem a todos.
COMENTÁRIOS
Importante! Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Nos reservamos o direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou com palavras ofensivas. A qualquer tempo, poderemos cancelar o sistema de comentários sem necessidade de nenhum aviso prévio aos usuários e/ou a terceiros.