Você sabia? A China utiliza pandas em suas relações exteriores
Por Gabriel Abílio de Lima Oliveira(gabriel.oliveira@ifmg.edu.br)
Desde os anos 1940, o panda-gigante, espécie endêmica da China, simboliza laços estáveis de Pequim com diferentes nações. A partir de 1941, países alinhados com a República da China e, entre 1949 e 1984, com a República Popular da China, recebiam os mamíferos de presente. Em 1984, no governo de Li Xiannian, estabeleceu-se um sistema de comodato, no qual o país receptor paga uma taxa anual e pode, ou não, renovar a estadia dos mamíferos pelos quais é responsável.
Essa iniciativa, chamada panda diplomacy (diplomacia dos pandas), insere-se em uma estratégia na qual a China busca projetar seu poder no sistema internacional a partir de um repertório simbólico mobilizado para sinalizar o nível de suas relações com determinada nação. O teórico das relações internacionais Joseph Nye desenvolveu o conceito de soft power para definir esses cenários em que um país lança mão de sua cultura, de seus valores ideológicos e de suas instituições para moldar dinâmicas relacionais favoráveis no âmbito de sua política externa. Ao lado do command power, geralmente ligado a coerções militares e econômicas, o soft power cumpre um papel de modular consensos entre as partes.
Um dos episódios mais emblemáticos da “diplomacia dos pandas” ocorreu ao longo dos anos 1970, quando o recentemente falecido Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA, ao perceber atritos que se intensificavam entre Moscou e Pequim, arquitetou uma aproximação diplomática com a potência chinesa. À época, Richard Nixon, então presidente dos EUA, visitou a República Popular da China, então governada por Mao Zedong e em vias de substituir a República da China (Taiwan) na condição de legítima representante dos interesses chineses no sistema internacional. Ao conversar com Zhou Enlai, braço direito de Mao e formulador de sua política externa, a primeira dama dos EUA, Pat Nixon, notou uma caixa de cigarros na qual figuravam dois pandas. Após Pat dizer que gostava dos ursos, Zhou disse que poderia presenteá-la com eles. Em 1972, dois pandas chegaram ao Smithsonian National Zoological Park, em Washington.
Apesar da recorrência da diplomacia dos pandas, o acontecimento que envolveu a aproximação entre Washington e Pequim na década de 1970 tornou-se um marco simbólico relevante de uma movimentação geopolítica e econômica que sinalizou a perda de poder relativo da União Soviética, o colapso do sistema bipolar do pós-Segunda Guerra e a ascensão da China na condição de potência inconteste no seio do sistema internacional. Recentemente, a diplomacia dos pandas voltou aos noticiários sobre as relações sino-americanas. Após o retorno de pandas que estavam em Washington, San Diego e Memphis, restam apenas quatro pandas em Atlanta, os quais têm a partida marcada para 2024. Pela primeira vez desde 1972, a nação ocidental corre o risco de ficar sem a espécie oriental em seu território, o que indica um possível agravamento das já complicadas relações entre EUA e China, pois, a presença de pandas chineses parece coincidir com a manutenção de relações geopolíticas e econômicas sinérgicas com parceiros mundo afora.
A partir da situação que envolve as relações sino-americanas, e para além dela, percebe-se que a diplomacia dos pandas é um recurso a ser considerado para a análise das relações internacionais contemporâneas. Ao reforçar sua imagem internacional a partir de seu legado civilizacional, Pequim intensifica sua projeção de poder para expandir suas relações comerciais, garantir os territórios de seu entorno estratégico imediato e manter uma postura construtiva em foros multilaterais, sem intervenções bruscas em decisões sobre situações de grande complexidade, a exemplo do conflito israelo-palestino.
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