Você sabia que o Uruguai já pertenceu ao Brasil?
Por: Gabriel Abílio de Lima Oliveira
E-mail: gabriel.oliveira@ifmg.edu.br
O Uruguai tem aproximadamente 3 milhões de habitantes. É politicamente estável, economicamente dinâmico e integrado à cultura gaúcha, cujo núcleo geográfico engloba também o Rio Grande do Sul e parte da Argentina. Banhada pela maior foz em estuário do mundo, a do Rio da Prata, a nação uruguaia resultou de disputas territoriais entre os reinos ibérico (Portugal e Espanha) e, no contexto das Independências sul-americanas, entre Brasil e Argentina.
A colonização espanhola na América baseou-se, predominantemente, na exploração de metais preciosos, sobretudo a prata dos dois primeiros vice-reinos da América, Nova Espanha (México e América Central) e Peru (Andes e Rio da Prata). Escoava-se a prata da Nova Espanha pela América Central, e a prata peruana por Buenos Aires, fundada em 1536. Entre 1580 e 1640, as monarquias de Portugal e Espanha estiveram unidas sob a União Ibérica. A implicação prática disso foi uma diluição virtual da fronteira do Tratado de Tordesilhas (1494), assinado para evitar disputas territoriais entre Portugal e Espanha na América.
Após a União Ibérica, a fronteira americana entre Portugal e Espanha ficaria imprecisa, o que facilitou a presença portuguesa em territórios que, pela lei, não lhe pertenciam. Em 1680, os portugueses, auxiliados pelos ingleses, fundaram a Colônia de Sacramento na margem esquerda do rio da Prata. Dali, lusos e britânicos contrabandeavam a prata peruana. Ameaçada, a Espanha ocupou Sacramento entre 1705 e 1715, no contexto da Guerra de Sucessão Espanhola. Em 1716, a região foi devolvida a Portugal pelo segundo Tratado de Utrecht. Lisboa e Rio de Janeiro consideravam Colônia geopolítica e economicamente estratégica. Os luso-brasileiros se aproveitavam das dificuldades quanto à localização das fronteiras com a América hispânica e justificavam que seus limites naturais a Norte e a Sul eram os dois grandes rios, o Amazonas e, conforme imagem 1 abaixo, o Prata.
Imagem 1: Bacia do Rio da Prata e as diferentes fronteiras estabelecidas ao longo do tempo. (Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-39-navegantes_bandeirantes_diplomatas_um_ensaio_sobre_a_formacao_das_fronteiras_do_brasil).
Em 1750, o Tratado de Madrid aboliu definitivamente Tordesilhas e redefiniu as possessões ibéricas via limites naturais e efetiva ocupação. Na ocasião, devolveu-se Sacramento aos espanhóis mediante a entrega da região dos Sete Povos das Missões aos luso-brasileiros. Madrid fundou Sete Povos das Missões no contexto da ocupação portuguesa de Sacramento, exatamente para evitar que Lisboa conseguisse avançar sobre a região Sul. Diante da resistência de indígenas e jesuítas responsáveis pela colonização de Sete Povos, os luso-brasileiros não conseguiram dominar a região e, portanto, não entregaram Sacramento. Em 1761, o tratado de El Pardo anulou o de Madrid. A Espanha retomou Colônia em 1762 e, no ano seguinte, Portugal reaveu a Colônia de Sacramento pelo Tratado de Paris. A essa altura, a Espanha já havia fundado Montevidéu e separado Sacramento da América portuguesa. Com o tratado de Santo Idelfonso (1777), a Espanha ficou com as duas regiões disputadas.
Com as independências na América Latina (1808-1831), surgiram propostas de Estado e nação na região platina. Buenos Aires pretendia ser o centro do antigo vice-reino do Rio da Prata, fundado em 1776 para consolidar a ocupação espanhola no Cone Sul. Em 1816, José Artigas, herói nacional uruguaio que lutou pela independência da região, propôs uma federação republicana que incluía Uruguai e partes do Rio Grande do Sul, Argentina e Paraguai. Artigas discordava do centralismo de Buenos Aires e propunha um modelo de maior autonomia das regiões unidas sob seu comando.
Ao perceber uma ameaça em Artigas, Dom João VI enviou tropas do Rio de Janeiro e incorporou o atual Uruguai ao Brasil sob o nome de província Cisplatina, ou seja, do lado luso-brasileiro do rio da Prata. A posse foi contestada. Em 1825, o líder uruguaio Juan Lavalleja declarou a Cisplatina parte do projeto de Buenos Aires. No mesmo ano, Brasil e Argentina iniciaram a Guerra Cisplatina pelo domínio da região. O fim do episódio foi a fundação do Uruguai, sob mediação inglesa, em 1828. Note-se que Buenos Aires, Sacramento e Montevidéu formavam um eixo para a navegação em toda a Bacia do Rio da Prata e que o acesso mais viável à Província do Mato Grosso ocorria pela navegação platina, o que fez com que a região continuasse de fundamental importância para o Brasil mesmo após a independência do Uruguai.
É certo que o Uruguai não foi apenas uma concessão inglesa. O projeto de Artigas teve importância central para que outras lideranças locais vislumbrassem a independência. E embora o fim da Guerra Cisplatina não tenha pacificado definitivamente as disputas territoriais na região, estavam lançadas as bases administrativas, políticas e identitárias do Uruguai.
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